segunda-feira, 20 de junho de 2011

Equidade em saúde da população negra é discutida em seminário no Rio de Janeiro

II Seminário Municipal de Equidade em Saúde da População Negra do Rio de Janeiro reuniu gestores, profissionais da área de saúde e lideranças para discutir os avanços e metas da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Negra no município

Com objetivo de colocar em pauta a discussão sobre a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no município do Rio de Janeiro, que visa promover a redução das desigualdades étnico-raciais, combater o racismo e a discriminação racial nas instituições e serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), foi realizado nos dias 31 de maio e 1º de julho, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o III Seminário Municipal de Eqüidade em Saúde da População Negra do Rio de Janeiro.

O evento, promovido pela Coordenação de Educação em Saúde da Superintendência de Promoção da Saúde da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC-RJ), em parceria com o Comitê Técnico de Saúde da População Negra, contou com 250 participantes inscritos e reuniu gestores, profissionais da área de saúde, incluindo agentes comunitários, lideranças do movimento negro e a representação do UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, para debater os avanços e desafios na conquista da equidade em saúde para a população negra.

A política nacional busca identificar, combater e prevenir situações de abuso, exploração e violência; garantir a utilização do quesito cor na produção e disseminação de informações epidemiológicas, definição de prioridades e tomada de decisão; e verificar as necessidades de saúde da população negra e utilizá-las como critério de planejamento em busca da equidade.

Homenagem a Abdias Nascimento

A abertura do evento foi marcada por uma homenagem ao professor, escritor, jornalista, senador e ativista de direitos humanos Abdias do Nascimento, que faleceu no dia 24 de maio. Dilma Cupti de Medeiros, a gerente do Programa de Saúde do Adolescente do Rio de Janeiro, aproveitou para fazer um momento de reflexão sobre o papel dos presentes na promoção da equidade em saúde da população negra. Na ocasião a viúva do senador, professora doutora Elisa Larkin Nascimento, fez a leitura de uma carta em defesa do SUS e contra a discriminação e violência institucionais presenciadas por ela e pela família no serviço da rede pública onde o senador ficou internado por cerca de 20 dias e onde veio a falecer. A carta foi endereçada ao Ministro da Saúde e à Presidente da República e entregue aos cuidados do secretário executivo da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, SEPPIR, doutor Mario Theodoro.

Estiveram na mesa abertura o representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil, Harold Robinson; o secretário executivo da SEPPIR, Mário Theodoro; a assessora de Promoção da Saúde da SMSDC-RJ, Nina Prates; a cientista social Elisa Larkin Nascimento, viúva de Abdias do Nascimento; Jacinta de Fátima da Silva, da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde; Jurema Werneck, do Conselho Nacional de Saúde; Ismael Lopes de Oliveira, do Conselho dos Secretários Municipais de Saúde (COSEMS); Amaury Oliveira da Silva, da Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial do Município do Rio de Janeiro; Louise Silva, do Comitê Técnico de Saúde da População Negra da SMSDC-RJ; David Lima, do Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro; Joao Luiz Ferreira da Costa, representando o Secretário Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, Hans Dohman; e Magali Almeida, representando a Subreitoria de Extensão e Cultura da UERJ e o Pro-Afro.

Desenvolvimento e efetivação dos direitos

De acordo com Harold Robinson, o encontro ocorreu no marco do Ano Internacional dos Afrodescendentes, em que esforços coletivos são colocados em prática para ampliar o debate sobre os desafios que a população afrodescendente enfrenta em todo o mundo em termos de desenvolvimento e efetivação dos direitos. Ainda segundo o representante do UNFPA, o evento foi de grande importância pois, na esfera da saúde municipal, possibilitou o seguimento da discussão iniciada em 2006. “Ações de mobilização como esta, promovida pela Secretaria Municipal e pelo Comitê Técnico são exemplos a serem seguidos. A saúde é um bem global e um direito fundamental e, para que esse direito seja efetivado, os esforços devem envolver setores diversos; a aliança entre governo, sociedade civil e organismos internacionais é estratégica”, destacou.

Durante os dois dias do Seminário foram realizadas palestras e debates sobre diversos temas, como a utilização do quesito cor nos sistemas de informação em saúde e a desagregação dos dados epidemiológicos por raça/cor; a construção do racismo no Estado brasileiro; e as estratégias e esforços para implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Negra no município do Rio de Janeiro. Ainda foram discutidas as garantias da equidade em saúde da população negra, por meio da atenção integral a crianças com doença falciforme; a saúde integral das mulheres negras e mortalidade materna; o impacto da violência nas condições de vida e saúde da população negra; e a vulnerabilidade da população negra às doenças sexualmente transmissíveis e tuberculose.

Para Silvana Caetano, da Superintendência de Vigilância em Saúde da SMSDC-RJ, é preciso dar mais importância à construção dos dados e indicadores quando se refere ao quesito cor. “Vamos fazer essas análises e buscar, a partir desses indicadores, fazer uma discussão sobre os processos de trabalho, na linha de cuidado, na promoção à saúde e no próprio exercício da vigilância”, disse em entrevista durante o evento ao ‘Elos da Saúde’, canal para a articulação de setores e iniciativas da sociedade para a promoção da saúde no município do Rio de Janeiro.

“O maior risco da coleta da informação sobre raça/cor, do uso de dados desagregados e da construção de indicadores sobre o impacto do racismo e da discriminação na saúde é que se torne um exercício puramente acadêmico. É essencial insistir que a coleta da informação, uso e disseminação de dados e indicadores desagregados por raça/cor são instrumentos de enfrentamento às injustiças, elementos essenciais para promoção da equidade. O uso do quesito cor subsidia os detentores de deveres para atuarem na proteção e efetivação dos direitos. O uso do Quesito Cor é um imperativo ético e não um fim em si mesmo, ressaltou Fernanda Lopes, a Oficial de Programa em Saúde Reprodutiva e Direitos do UNFPA.

Segundo Lúcia Xavier, do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do município do Rio de Janeiro, o Rio de Janeiro caminha muito lentamente para a implementação da Política, mas alguns passos já foram dados. “Os órgãos governamentais têm funcionado regulamente, com ações como a campanha da diversidade ou buscando a implementação do quesito cor nos formulários que têm algumas ‘lacunas’. A Secretaria acredita ter a informação, mas muitas vezes não tem e o funcionário acaba sendo responsabilizado”, ressaltou. Para ela, na atenção básica o diálogo não é sedimentado. “O debate ainda ocorre entorno da doença falciforme e não de outros agravos”.

A integrante do Comitê Técnico destacou o combate ao racismo institucional como maior desafio. “Apesar das e dos profissionais entenderem os agravos causados pelo racismo, ainda é um desafio que elas e eles compreendam que isso é um determinante social do quadro de saúde da população negra. Mas reconhecer que o racismo está institucionalizado é ainda mais difícil; é uma situação pouco considerada em todo o processo”. Lúcia acredita que o Seminário foi uma prestação de contas do governo municipal à população do município, que tem mais de seis milhões de habitantes.

Dentre as dificuldades que norteiam as discussões sobre saúde da população negra estão a morbidade e mortalidade nessa população e o racismo como determinante no acesso aos serviços de saúde, discriminação sofrida e exclusão social. “O evento foi importante para trazer à sociedade uma noção do quanto se tem caminhado em relação aos seus direitos. Isso não quer dizer que está tudo resolvido, mas nos permite perceber que algo está faltando e que tipo de estratégias precisamos implementar”, concluiu a integrante do Comitê.

Para Monique Miranda, da Coordenação de Educação em Saúde da Superintendência de Promoção da Saúde da SMSDC, os gestores puderam mostrar no III Seminário as suas ações e fazer uma interlocução com os participantes. “Foi um marco e vai estimular a implementação da política no município”, disse. Ela ainda destacou a importância da plenária de elaboração do Plano de Ação, em que as pessoas presentes entregaram um total de 84 propostas para a criação do documento final que será encaminhado para o Secretário Municipal de Saúde. O evento ainda contou com intervenções culturais desenvolvidas pelo grupo de educadoras e educadores em saúde de diversas coordenações de áreas programáticas - CAPs, e com colaboradores que realizaram oficinas de penteado afro, saúde e histórias afrobrasileiras, possibilitando mais momentos de descontração, integração e reflexão.

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